O CORDEL
Quem diz?
O cordelista, que em geral reelabora histórias fantásticas ou reais (até mesmo fatos cotidianos e políticos) que ouviu ou testemunhou, acrescentando sua própria contribuição: seu jeito de contar, suas experiências e sua cultura.
O que diz?
Há cordéis sobre fatos históricos, sobre lendas, sobre aventuras pessoais ou coletivas – a imigração, por exemplo, é um tema muito comum -, sobre histórias de amor, sobre temas religiosos, sobre acontecimentos políticos importantes etc.
Como diz?
Geralmente o cordel é produzido em sextilhas – estrofes com seis versos – ou quadras – estrofes com quatro versos. Os folhetos em que são publicados os poemas têm 8, 14 ou l6 páginas. O nome cordel se origina da forma como os folhetos são expostos à venda: pendurados em cordéis (cordas finas, barbantes).
Por que diz?
A literatura de cordel é típica do Nordeste brasileiro. Além de contar histórias, esses poemas às vezes fazem uma bem-humorada crítica social. E, até algum tempo atrás, em algumas regiões onde não havia jornal, rádio, telefone ou TV, os folhetos vendidos pelos cordelistas eram a única forma de as pessoas ficarem sabendo de certas notícias.
Para quem diz?
O cordel é produzido para ser declamado. O poeta “canta” seus versos em uma feira, com o objetivo de vender o folheto em que estão impressos.
A doença do rico é a saúde do pobre
Jota Rodrigues
Ou senhora Aparecida
Santa padroeira nodre
Abençoai este livro
Que minha pena descobre
Sobre a doença do rico
Ou a saúde do pobre
A vinte e três de setembro
Linha manhã domingueira
O poeta Zé Rodrigues
Vendendo cordel na feira
Teve atenção despertada
Com uma visita hospitaleira
Era o douto Hézio Cordeiro
Com um outro médico ao seu lado
E uma senhora distinta
Com os anéis de doutorado
E os três procurava xilos
Grande em canudo enrolado
E não tendo a xilogravura
Que o dotô Hézio pedia
Zé Rodrigues prometeu
Que de São Paulo trazia
Sem prazo estipulado
podendo ser qualquer dia
E na noite de São Cristóvão
Numa palestra sadia
Muito respeitosamente
O doutor Hézio pedia
Que Zé Rodrigue escrevesse
Dois livros com primazia
E com muito zelo e carinho
Escrevo este primeiro
Ilustro o pobre e o rico
Por sorriso e desespero
E ofereço aos meu leitores
E ao doutor Hézio Cordeiro
Neste verso começamos
A pequena discrição
Quando eu na maternidade
Fui visitar dois pagão
Um era filho de um rico
E o outro de um pobretão
O filho do rico estav
Com manta e enxoval bordado
Trancelim de ouro fino
Sapatinhos prateado
Num berço chique e elegante
E seis enfermeiras de lado
O filho do pobre estava
Numa grade de madeira
Sem manto e enxoval
Sem sapato ou enfermeira
Sem bico e sem trancelim
Na mais profunda berreira
Chegando o médico parteiro
Deu alta às duas mulher
A mulher do rico foi
Pra São Francisco Xavier
E a mulher do pobre foi
Pra favela do Jacaré
Chegou a mulher do rico
Na sua rica mansão
E depressa duas babá
Correro para o portão
Pra receber o garoto
Filho do rico patrão
O menino pobre tem
Mingau de fubá cozido
Sem leite tôd ou aveia
Aguado e sempre dormido
E até sem leite materno
Que o da mamãe foi sumido
O filho rico tem berço
Pijaminha e mosquiteiro
Tem ar condicionado
pra soprale o dia inteiro
Não panha sol nem sereno
Nem brinca pelos terreiro
E na casa da mulher rica
As coisas muda de tom
Tem leite materno forte
Aveia e ninho do bom
Tem canjinha de legume
Tem tôd e leite elêdon
O menino pobre tem
Shortinho e cueiro rasgado
Sem pijama ou mosquiteiro
Nem ar condicionado
Por berço tem o chão frio
E coberta é saco emendado
Cria-se o menino rico
Com maiores regalia
Não toma banho na chuva
Não pisa em terra fria
Não pode apanhar poeira
Porque sofre de elegia
Cria se o menino pobre
Dormindo pelas calçada
Tomando banho na poeira
E nas valas enlamaçada
Papando barro e tijolo
E a barriga toda inchada
Aos vinte anos de idade
O menino rico é rapaz
E pra conservar a saúde
As previdências é demais
Não bebe água de poço
E pisar descalço jamais
Enquanto o menino pobre
Já tem os pés calejado
Pisando em caco de vidro
Pregos ou arame enfarpado
Bebe água até de vala
E tem saúde e é corado
O menino pobre anda
Descalço sujo e rasgado
Panha chuva noite inteira
Passa um sufoco danado
E não sente dor nem canseira
Pois já tem o lombo curado.
Se o rico apanha uma chuva
Sofre o maior desmantelo
Dói ouvido, dói garganta
Dói cabeça e cotovelo
Tem febre e um suor frio
Em cada fio de cabelo
O pobre dorme em chão frio
Nas gigantes construção
Panha chuva noite e dia
Entre relâmpago e trovão
Faz pernoite nas calçada
E tem saúde de um leão
Se o rico pega uma gripe
E solta um espirro forte
Recolhe-se ao seu leito
Se maldizendo da sorte
Consulta com o médico e diz
Que esta na hora da morte
O rico quase todo dia
Mede a sua pressão
Vai ao cardiologista
Examina o coração
Mas qualquer dor de barriga
O tira de circulação
O pobre já nem si lembra
Da barriga ou coração
Suas massage é nos trens
De Japeri ou Barao
E sua cardiologia
É os chute na condução
O rico sem fazer nada
Sente dor, sente cansaço
Sente moleza no corpo
Sente fraqueza nos braço
Sente desânimo e preguiça
Sente-se em si um fracasso
O pobre não sente nada
Pois o seu tempo não dá
Para preguiça ou cansaço
Em seu corpo penetrar
Tão grande é seu sofrimento
Que isto não o faz abalar
Um rico encontra com outro
E vai logo perguntando
Como vamos de saúde
E responde o outro chorando
Estou com uma dor de cabeça
E a morte esta me chamando
Um pobre encontra com outro
Morrendo a fome e doente
Já pergunta como vai
O outro responde soridente
Sou cheio de vida e saúde
Esconde as dores que sente
Resumo neste livrinho
O tratado verdadeiro
Dos males do rico e o pobre
Reconhecendo o primeiro
Ilustríssimo doutor
Grande homem que me inspire
O nobre Hézio Cordeiro
O livro está terminado
Levem um pra me ajudar
Isto servirá de exemplo
Veja o luxo o que é que dá
Eu sou um pobre também
Rolo no chão e nada vem
A minha saúde abalar
Nenhum comentário:
Postar um comentário