Há a história dos dois ursos que caíram numa armadilha e
foram levados para um circo. Um deles, com certeza mais inteligente que o outro,
aprendeu logo a se equilibrar na bola e a andar no monociclo, o seu retrato
começou a aparecer em cartazes e todo o mundo batia palmas: "Como é
inteligente". O outro, burro, ficava amuado num canto, e por mais que o
treinador fizesse promessas e ameaças, não dava sinais de entender. Chamaram o
psicologo do circo e o diagnostico veio rápido: "É inútil insistir. O Q.I é
muito baixo..."
Ficou abandonado num canto, sem retratos e sem aplausos, urso
burro, sem serventia... O tempo passou. Veio a crise economica e o circo foi à
falência. Concluíram que a coisa mais caridosa que se poderia fazer aos animais
era devolvê-los às florestas de onde haviam sido tirados. E, assim, os dois
ursos fizeram a longa viagem de volta.
Estranho que em meio à viagem o urso tido por burro parece
ter acordado da letargia, como se ele estivesse reconhecendo lugares velhos,
odores familiares, enquanto seu amigo de Q.I alto brincava tristemente com a
bola, último presente. Finalmente, chegaram e foram soltos. O urso burro sorriu,
com aquele sorriso que os ursos entendem, deu um urro de prazer e abraçou aquele
mundo lindo de que nunca esquecera. O urso inteligente subiu na sua bola e
começou o número que sabia tão bem. Era só o que sabia fazer. Foi então que ele
entendeu, em meio às memórias de gritos de crianças, cheiro de pipoca, música de
banda, saltos de trapezistas e peixes mortos servidos na boca, que há uma
inteligência que é boa para circo. O problema é que ela não presta para viver.
Rubem Alves
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