segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Caso do Espelho



    Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata.
   Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora.  
   O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:
   — Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
   — Isso é um espelho — explicou o dono da loja.
   —Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.
   Os olhos do homem ficaram molhados.
   — O senhor... conheceu meu pai? — perguntou ele ao comerciante.
   O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.
   — É não! — respondeu o outro. — Isso é o retrato do meu pai. É ele sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
   O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho.
   Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.
   A mulher ficou só olhando.
   No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
   — Ah, meu Deus! — gritava ela desnorteada. — É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
   — Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.
   — Que foi isso, mulher?
   --- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
   — Que retrato? — perguntou o marido, surpreso.
   — Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
   O homem não estava entendendo nada.
   — Mas aquilo é o retrato do meu pai!
   Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
   — Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?
   A discussão fervia feito água na chaleira.
   — Velho lazarento coisa nenhuma! — gritou o homem, ofendido.
   A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.
   — Que é isso, menina?
   — Aquele cafajeste arranjou outra!
   — Ela ficou maluca — berrou o homem, de cara amarrada.
   — Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
   A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.
   Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
   — Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!
   E completou, feliz, abraçando a filha:— Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!

(Versão de conto popular por Ricardo Azevedo)
Imagem da web

A Construção do Texto

O conto popular em prosa
Você leu uma história que é a versão escrita por Ricardo Azevedo de conto popular. Vamos conhecer melhor esse gênero de texto, analisar a forma como foi construído, sua organização, sua linguagem.

1. Narrativa em prosa

O conto lido é uma narrativa em prosa. Dizemos que um texto está em prosa quando está organizado em frases contínuas formando parágrafos.

• Quantos parágrafos tem o texto lido? Não se esqueça de que o parágrafo pode também começar por travessão, sinal que introduz a fala do personagem.

2. Momentos da Narrativa
Os momentos de uma narrativa tradicional podem ser organizados da seguinte maneira:

Situação inicial: situação de equilíbrio
Conflito: motivos que desencadeiam a ação da história.
Clímax do conflito: momento de maior tensão da história.
Desfecho: final e resolução do conflito

• 1. Identifique no conto lido os parágrafos correspondentes aos momentos da narrativa e escreva-as.

• 2. Se você tivesse que explicar para alguém o que é um conto popular, o que diria?

1. Personagens

As histórias de tradição oral passam de boca em boca. Tanto o contador como o ouvinte irão dar mais atenção aos fatos que ao nome dos personagens. Assim, as personagens geralmente são identificadas por meio de uma característica e não pelo nome.
Por isso, no conto popular, é comum as personagens não terem um nome próprio.

• Como são identificadas as personagens do conto lido?

2. Tempo

As histórias de tradição oral passam de uma geração para outra e assim acabam não sendo localizadas num tempo determinado.

• Copie do texto duas expressões que indicam que o tempo em que os fatos acontecem é indeterminado.

3. Espaço

As histórias contadas oralmente se espalham com muita facilidade de um lugar para outro. Por isso, além da indeterminação do tempo, outra característica das histórias de tradição oral é que os fatos ocorrem em espaços, lugares também indeterminados, indefinidos.

• Copie do texto uma expressão que mostra que os fatos se passam em lugar indeterminado.

Criar um desfecho
Quem conta um conto... pode criar outro desfecho.

Em duplas.

• A) Criem um desfecho diferente para o conto o caso do espelho.

• B) Contem a seus colegas como vocês terminaram o conto.

• C) Ouçam o desfecho criado por seus colegas










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